Até bem pouco tempo, admitia-se que o psiquismo humano entrava em funcionamento no exato instante em que ocorria seu nascimento quando, então, dava-se a cesura do cordão umbilical, ou seja, ao perder a segurança uterina e tendo que procurar por si mesmo o oxigênio e o alimento para sua sobrevivência.
Através de estudos psicanalíticos realizados, observou-se que, sob intensa angústia, os pacientes abandonavam, muitas vezes, a realidade externa eliciadora de um sofrimento intolerável, para buscar refúgio numa realidade muito mais primitiva, regredida, relacionada à vida intra-uterina.
Com o advento da ultra-sonografia e, mais tarde, da ecografia, pôde-se observar o universo fetal e a sua história de desenvolvimento físico-emocional.
Assim, constatou-se que não apenas o trauma do nascimento marca inconscientemente o indivíduo para sempre, como também o modo como o feto percebe suas experiências pré-natais, vão se constituir no modelo das vivências emocionais no decorrer de sua vida aérea e, mais imediatamente, na primeira infância.
Podemos então dizer que, certamente, a vida psíquica não se inicia com o nascimento, porém é uma continuidade da vida intra-uterina.
Desta feita, a visão que se tinha de que o útero era um lugar silencioso, um verdadeiro paraíso, onde os ruídos externos não chegavam até ele e que o feto era um ser passivo, completamente dependente, foi derrubada ante o desenvolvimento tecnológico e psicanalítico.
Hoje, o que se sabe é que é um ser humano em formação e que reage a estímulos, chupa o dedo, dorme e acorda, tem movimentos respiratórios, movimenta-se à procura de posições que lhe sejam mais confortáveis, boceja e soluça, sorri e chora...
Sabe-se, inclusive, que as atividades executadas por ele não são sem sentido, cumprem objetivos: não só deglute o líqüido amniótico para se alimentar como regula o volume de ingestão; os movimentos realizados desenvolvem as articulações e ossos e as experiências sensoriais são fundamentais para o desenvolvimento do cérebro.
Por sua vez, a visão de útero também se modificou, pois o feto escuta a voz materna e paterna, os sons internos e viscerais da mãe, como a digestão sendo realizada, os batimentos cardíacos, a circulação sangüínea, o ressoar do sono materno, a sonoridade do mundo externo que lhe chega abafada, porém audível.
Muito mais que tudo isto, foi a compreensão adquirida que o feto sofre com a influência das emoções maternas e que o levam a participar na manutenção e determinação do final da gravidez, seja prematuramente, através do aborto ou gravidez a termo.
Diante disto, se o nível de angústia e ansiedade da gestante tiver intensidade muito elevada ou mesmo se sofrer traumas emocionais ou stress, crônico ou agudo, há de desencadear grande sofrimento fetal, marcando-o profundamente, podendo mesmo acarretar problemas orgânicos e psíquicos, com decréscimo de seu desenvolvimento físico.
Apesar de não haver conexão direta entre o sistema nervoso materno e fetal, emoções como ira, medo e ansiedade fazem com que o sistema nervoso autônomo materno libere certas substâncias químicas na corrente sangüínea, alterando a composição do sangue materno e que, transpondo a barreira placentária modificarão a bioquímica do ambiente intra-uterino onde está se desenvolvendo o feto.
Esta transformação provoca-lhe um estado de alarme que se manifesta por aumento ou diminuição dos batimentos cardíacos e aumento ou diminuição da atividade motora, podendo chegar à imobilidade.
Ruídos estranhos ao feto também podem provocar angústias, na medida em que desencadeiam o comportamento de alerta.
Na busca do alívio das tensões, desenvolvem-se mecanismos psíquicos de defesa e que são expressos através de movimentações hiperativas do corpo. São reações parecidas com as do recém-nascido em sofrimento que se contorce, grita, chora, esperneia, para livrar-se do que lhe causa desespero. Ou, ao contrário, se a situação estressante torna-se crônica, o feto "substitui" o mecanismo de defesa que não percebe mais como aliviador de tensão, e ocorre a diminuição das atividades motoras ou hipoatividade, que sugere a possibilidade de depressão e de decréscimo de energia vital.
Enquanto durar o distúrbio emocional da gestante, a atividade fetal continuará a um nível elevado. Se forem distúrbios breves, geralmente o aumento da irritabilidade fetal durará algumas horas.
Gestantes infelizes e deprimidas têm maior probabilidade de ter partos prematuros ou de ter bebês com pesos mais baixos ao nascer, podendo ser hiperativos, irritáveis, manifestar dificuldades na alimentação, apresentar distúrbios do sono, choro excessivo e necessidades incomuns de ficar no colo.
Sendo o feto e o bebê a mesma pessoa, as características de personalidade, de comportamento, de preferências e respostas do feto mantêm-se na vida pós-natal. Ao reviver situações estressantes semelhantes às da vida fetal, inconscientemente buscará o mesmo padrão de comportamento que apresentava na vida intra-uterina, para o alívio das tensões.
Acredita-se, atualmente, que por meio de sinais materno-filiais, é firmado um compromisso entre a mãe e a criança e que desencadeia o trabalho de parto.
Assim, se o feto encontra-se em contínuo e profundo sofrimento, percebido por ele como ameaça de morte ou de aniquilamento, envia uma mensagem avisando-a que não podendo suportar por mais tempo, vai ser necessária a separação.
Deste modo, pode ocorrer o parto prematuro através de problemas com a placenta, por ser o lugar das trocas entre a mãe e seu filho, na quantidade do líqüido amniótico, hipertensão arterial e outras ocorrências. As ameaças de aborto também são compreendidas de formas diversas, porém sempre ligadas à história da gestante, do casal e do filho.
Estas experiências são percebidas pelo feto como catastróficas, verdadeiras ameaças de morte e depressivas.
Através da ultra-sonografia e da ecografia, podem ser feitas investigações sobre o estado de sono e de vigília do feto. Nos momentos de sono, permanece imóvel e nos de vigília, observa-se grande variedade de movimentos corporais.
Como as dificuldades e ameaças estão sempre presentes na vida fetal, assim como possibilidades de alívio das tensões, podemos pensar que o sono cumpra duas funções: desligamento por ter encontrado este alívio ou um mergulho no sono para fugir da situação dolorosa.
A grande freqüência de sono durante a vida fetal demonstra a presença de depressão psíquica e imobilidade física, que acarreta um desenvolvimento inadequado dos músculos, podendo levar à hipotonia, que é o rebaixamento do tônus muscular.
Assim, a movimentação do feto é um fator importantíssimo que transmite como a gravidez está se processando e oferece elementos valiosíssimos sobre seu estado emocional.
Daí ressaltarmos a importância das emoções maternas no período da gestação e o quanto é primordial o ambiente imediato como rede de apoio, segurança e continente das angústias e ansiedades maternas.
Deste modo, a qualidade do vínculo entre os parceiros, no momento da concepção e durante a gravidez, é fundamental para o equilíbrio da relação mãe-bebê, uma vez que o feto consegue captar os estados afetivos maternos tanto os de felicidade, tranqüilidade e satisfação quanto os de choques emocionais, ansiedades, raiva, depressão e estresse.
Muitos casais em crise conjugal, ao se depararem com uma gravidez não planejada, tornam este período um verdadeiro caos emocional, muitas vezes culminando com a separação. Há de se repensar as atitudes no sentido de poder proporcionar segurança e apoio à gestante, que se encontra muito mais vulnerável, e bem-estar ao bebê.O acompanhamento psicológico, neste momento de intensa crise, cumpre sua função primordial de oferecer um espaço continente e acolhedor, onde a gestante possa expressar livremente todas as angústias e ansiedades que está vivenciando e que, certamente, beneficiará o desenvolvimento físico-emocional do futuro bebê.
Ana Maria Morateli da Silva Rico
Psicóloga Clínica
Nossa. Muito bom o texto, esclarecedor e informativo. Todas as mulheres teriam que ter direito a isso, a esta informação... Acho que ajudaria muito. Obrigada por compartilhar no blog.
ResponderExcluirSou nova nessa história de blogar, visite o meu e dê uma força lá!!! Abraços
gostei muito do texto e realmente fico preocupada com essa questão pois imagine como não deve sentir um bebe cuja a mãe tem medo de tudo como eu,mas impossivel não ter medo depois de tudo que passei e de tantas historias de vida como a sua que chega aos nove meses e perde o bb,isso é muito terrivel e assustador!
ResponderExcluirEntão meninas eu logo que vi este texto pensei em publicá-lo no blog, são informações úteis e confesso que muitas delas eu não sabia. Sem muito entender do assunto, sempre pensei com "meus botões" que o estado emocional da mãe influencia diretamente no feto, e procurei muito não me estressar durante a gravidez, mas isto foi impossivel, estava passando por momentos complicados e acredito que influenciou...Penso também que a ciência muito tem a evoluir e daqui há alguns anos vamos saber mais sobre esta "misteriosa vida do feto" e creio que muitos bebeês poderão ser salvos...
ResponderExcluirMas Nanda tenha força, mesmo que o medo do passado nos aterrorize, mas lembremos que cada caso é um caso e desta vez vai dar certo.O medo na nossa condição faz parte, e vencer depois de tudo que passamos vai ser muito valoroso pra nós. Estou torcendo por vocÊ!!!!!